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Epidemiologia e Tratamento de EIA no Brasil

No Brasil, não há política de detecção precoce de EIA. Os estudos epidemiológicos são escassos e limitados, com amostras pequenas em relação à população brasileira, focados na população adolescente escolar, com metodologias diferenciadas e variados recortes populacionais. Em levantamento realizado nas principais bases de dados bibliográficos disponibilizadas no portal da CAPES3, foram identificados quatro estudos epidemiológicos que se referem a escoliose em adolescentes no ambiente escolar, embora nem todos identifiquem claramente a EIA (além destes, há outros estudos que identificam a escoliose como problema de postura).

No estudo realizado na rede pública de ensino em Goiânia/GO (SOUZA et al, 2013), com uma amostra de 476 estudantes entre 10 e 14 anos, após exame clínico, foram identificados 28 adolescentes com suspeita de escoliose dos quais 18 tiveram diagnóstico confirmado com Raio X, chegando a uma prevalência de 4,3% de EIA, sendo que 61% eram mulheres. Outro estudo, realizado em escolas municipais de Cuiabá/MT (ESPÍRITO SANTO et al, 2011), com 3.105 estudantes, apontou uma prevalência de 2,2% de escoliose para curvas maiores de 10oCobb.

Em estudo realizado em com 1.340 escolares no Rio Grande do Sul (NERY et al, 2010), encontrou-se uma prevalência de escoliose de 1,4% . Em estudo realizado numa escola no município do estado de São Paulo com 2.564 estudantes com idade entre 10 e 14 anos (PENHA et al, 2016), encontrou-se uma prevalência de 2,14% de EIA em meninas (N=1492) e de 0,47 em meninos (N=1072).

Ainda que muito localizados e com amostras pequenas, considerando-se as dimensões do país, os resultados desses estudos apontam para prevalências de EIA dentro do espectro encontrado na literatura. Desta forma, tomando como base a população brasileira estimada para o ano de 2016, que são 206.000.000 habitantes, se aplicamos a média da prevalência estimada (3%), a EIA deveria atingir 6.180.000 pessoas, das quais 618.000 (10%) necessitam tratamento conservador, com risco de evolução da deformação. Seguindo ainda nessa estimativa, 1.236 de pessoas apresentariam graus elevados de EIA, sendo necessário realizar cirurgia.

Em levantamento preliminar no Ministério da Saúde, na Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), na Sociedade Brasileira de Coluna (SBC) e na Associação Médica Brasileira (AMB), além das bases bibliográficas, não foram encontrados protocolos para tratamento de EIA no Brasil. A AMB em conjunto com o Conselho Federal de Medicina desenvolve o Projeto Diretrizes, que tem por objetivo “conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico”.

Entre os documentos produzidos, dois referem-se à EIA, mas ambos relativos a procedimentos cirúrgicos: “Escoliose Idiopática no Adolescente: Instrumentação Posterior” (SBOT e SBR, 2008a) “Escoliose Idiopática no Adolescente: Utilização de Auto-enxerto e Homoenxerto no Tratamento Cirúrgico Posterior” (SBOT e SBR, 2008b).

Confluindo com essa situação, observa-se uma defasagem importante no que diz respeito à pesquisa sobre escoliose idiopática no país. Segundo revisão bibliográfica recente (CARDOSO e MENTGES, 2017), mais 55% dos artigos publicados sobre EIA no Brasil são sobre cirurgia. A cirurgia, ao que parece, tem sido o principal foco de tratamento de EIA e vem crescendo nos últimos anos.

Segundo dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIHSUS), em 2012 foram realizadas 528 cirurgias de escoliose (CID-10 M41)4 e, em 2016, esse número subiu para 773, apresentando um aumento de quase 50% em quatro anos. Além do mais, sabe-se por relatos de pacientes nas redes sociais e pessoalmente, que as filas de espera para cirurgia de escoliose são grandes, chegando a demorar oito anos, o que leva a uma drástica piora da EIA, com grave deformidade da coluna e do tronco. Por outro lado, muitos pacientes e responsáveis recorrem a processos jurídicos para realização de cirurgia.

No que tange ao tratamento conservador de EIA, a mesma revisão (op. cit.) conclui que apenas 5% dos artigos referem-se a esses tratamentos, sendo que nenhum deles menciona as sete escolas reconhecidas internacionalmente de EFEE. Por sua vez, na classificação de procedimento de tratamento do SUS não há nenhum que se refira especificamente a escoliose. Pelo CID, pode-se identificar, além dos procedimentos cirúrgicos, as sessões de fisioterapia, mas isso requer uma pesquisa que proceda ao cruzamento de dados, o que não é disponível no portal do DataSUS.

Em relação às órteses, podem-se identificar três tipos de coletes utilizados para escoliose no SUS: CTLSO Milwaukee (procedimento 07.01.02.003-2), TLSO Boston (07.01.02.028-8) e TLSO Corretiva Tóraco-lombar em polipropileno (07.01.02.030-0). O colete Milwaukee é o mais utilizado no Brasil (ver gráfico 1), no entanto, é muito criticado pela sua eficácia e, sobretudo, pela baixa adesão, como foi abordado anteriormente.

Observa-se, num olhar panorâmico e preliminar sobre os principais tratamentos utilizados no SUS para EIA nos últimos anos, o aumento do número de cirurgias e a redução de tratamento conservador com uso de colete ortopédico, como demonstra o gráfico 1.

Fontes: Ministério da Saúde, SIHSUS (Sistema de Informações Hospitalares) e SIA (Sistema de Informações Ambulatoriais)

Ao se debruçar sobre esses dados, ainda que preliminares, observa-se um subtratamento de EIA no SUS, e um caminho que vai na contramão do que vem sendo estudado e recomendado nas diretrizes internacionais. Nesse sentido, para implementar políticas públicas que visem um tratamento de pessoas com EIA dentro de parâmetros consensuados internacionalmente é necessário conhecer amplamente e em profundidade os dispositivos hoje presentes no SUS, bem como a percepção de todos os agentes envolvidos: profissionais de saúde, pacientes e seus responsáveis e gestores, para identificar os aspectos críticos e as potencialidades de inovação.

Bibliografia